Maria da Penha

Maria da Penha

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Louca

Encontro-me em meio a rua, no carro
Olho a face das pessoas que estão a ir e vir
Toda gente tão linda!
Estão sérias, concentradas e conectadas
Elas não observam nada
São automatizadas
Não tropeçam nas calçadas
Desviam dos obstáculos intuitivamente
Será que sabem para aonde estão a ir?
O que faço eu aqui parada?
Observo a todos sem fazer nada
Não existe um lugar a que devo seguir
Levo um susto e fico desconcertada
Que visão desgraçada
No para-brisas do meu carro uma face esquisita
Direcionada para mim
Um nariz achatado, uma boca com sorriso que não ri
Olhos abertos esbugalhados
O corpo mole estirado no capô
Tanto sangue num dia ensolarado
Ele atropelou o meu carro,
Idiota, amassou a lataria
Atrasa-me o nada
Fico irada, saia daí
Morto, estúpido, atrapalhado
Fique ao menos no asfalto
Deixa-me seguir
Se bem me lembro, tenho casa
Sei, fica bem ali
Chego, entro ofegante, suada
Tem a cama que não tem nada
Escoro o meu corpo na parede gelada
Tenho uma sensação deliciosa da brisa
Que entra pela fresta estreita da janela
Solto um grito , me contorço, tenho gozo
Sinto o silêncio, o mesmo do morto e, saio
Caminho até a praia
Observo os coqueiros a bailar ao vento
As ondas a sumirem nas areias
Tudo tão lindo
Acendo mais um cigarro e trago
Estou vendo tudo
Mas não sinto nada
Tusso e tusso
São fantásticos os delírios
Tenho presságios
Provoco em meu corpo espasmos e gemidos
Estou viva? Não sei se vivo
Enfureço, vagueio, caio em alucinação
Penso em bálsamos, unguentos
Não sei se quero um alívio
Será que vivo pelo desejo
Da agonia, do suplício, do flagelo?
Chega a noite, corro de encontro ao vazio
Existe uma mistura de sentimento
Estou exausta, sem arrependimento
Tenho pouca consciência
Quais foram mesmo os acontecimentos?

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